Calem-se, filhotes da ditadura – #1964NuncaMais

Texto: João Lucas Gama

“Na tentativa de fazerem falar o motorista César Augusto Teles, de 29 anos, e sua esposa, presos em São Paulo em 28 de dezembro de 1972, os agentes do DOI-CODI buscaram em casa os filhos menores deles e os levaram àquela dependência policial-militar, onde viram seus pais marcados pelas sevícias sofridas:

(…) Na tarde desse dia, por volta das 7 horas, foram trazidos sequestrados para a OBAN, meus dois filhos, Janaina de Almeida Teles, de 5 anos, e Edson Luiz de Almeida Teles, de 4 anos, quando fomos mostrados a eles com as vestes rasgadas, sujos, pálidos cobertos de hematomas (…) Sofremos ameaças por algumas horas de que nossos filhos seriam molestados. (…)

A companheira de César, professora Maria Amélia de Almeida Teles, também denunciou no mesmo processo:

(…) que, inclusive, ameaçaram de torturar seus dois filhos; que torturaram seu marido também; que seu marido foi obrigado a assistir todas as torturas que fizeram consigo; que também sua irmã foi obrigada a assistir suas torturas; (…)”

“Violentada no cárcere, a estudante de Medicina Maria de Fátima Martins Pereira, 23 anos, contou, no Rio, ao Conselho de Justiça, em 1977:

(…) que, um dia, irromperam na “geladeira”, ela supõe que cinco homens, que a obrigaram a deitar-se, cada um deles a segurando de braços e pernas abertas; que, enquanto isso, um outro tentava introduzir um objeto de madeira em seu órgão genital (…)”

“A bancária Inês Etienne Romeu, 29 anos, denunciou:

(…) A qualquer hora do dia ou da noite sofria agressões físicas e morais. “Márcio” invadia minha cela para “examinar” meu ânus e verificar se “Camarão” havia praticado sodomia comigo. Este mesmo “Márcio” obrigou-me a segurar o seu pênis, enquanto se contorcia obscenamente. Durante este período fui estuprada duas vezes por “Camarão” e era obrigada a limpar a cozinha completamente nua, ouvindo gracejos e obscenidade, os mais grosseiros (…)”

Estes são apenas alguns relatos das mais de um milhão de páginas de 707 processos arquivados no Superior Tribunal Militar obtidos a partir de pedidos de vistas de advogados que atuavam em favor dos direitos humanos durante os anos de chumbo. Os documentos foram reunidos entre 1979 e 1985 e que integram o Projeto Brasil Nunca Mais desenvolvido por uma equipe de mais de 30 profissionais e coordenada por Dom Paulo Evaristo Arns, pelo Rabino Henry Sobel e pelo Pastor presbiteriano Jaime Wright.

Parte desses casos hoje compõe o livro Brasil Nunca Mais, que revisita o regime militar e expõe inegavelmente os horrores empreendidos nos porões da ditadura. Conhecer esse projeto é olhar com outros olhos as consequências últimas de um golpe militar, há 57 anos atrás, era arquitetado por um grupo de velhos oficiais na calada da noite.

Conhecer essas histórias é perturbador! Quase se pode sentir o cheiro de sangue, ou se escutar os gritos de horror que ecoavam nas prisões e quarteis sendo orquestrados por homens fardados na mais pura banalização do mal – processo semelhante àquele descrito pela filósofa Hannah Arendt.

Hoje, os filhotes e as viúvas da ditadura alardeiam a “defesa das liberdades individuais” que o regime supostamente garantiu; liberdades ilusórias para as elites econômicas e sociais do país, regada à expropriação do Estado e dos direitos da população brasileira.

À revelia do que diz a narrativa torpe do bolsonarismo, a ditadura militar tolheu todos os direitos individuais que até aquele momento eram garantidos. O Congresso Nacional foi fechado; os partidos políticos foram declarados ilegais; o movimento sindical foi aparelhado pelo Estado, ou proibido; toda e qualquer forma de mobilização social organizada foi duramente perseguida e a liberdade de expressão, ou livre manifestação de pensamentos contrários ao regime foram censurados.

Segundo investigações da Comissão da Verdade, estima-se que a ditadura tenha deixado um rastro de 434 mortos, porém documentos e registros de órgãos da Comissão de Direitos Humanos da ONU, assim como da Comissão e na Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), além de relatórios da Comissão Internacional de Juristas, da Anistia Internacional e do Tribunal Russell sugerem que os números ultrapassam a casa dos milhares – homens e mulheres sumariamente executados pelo Estado brasileiro, muitos/as que jamais tiveram seus corpos encontrados (a localização de incontáveis ossadas jamais foi revelada pelo Exército).

Ao contrário do que dizem Braga Netto e Jair Bolsonaro, o Golpe de 1964 jamais deveria ser comemorado, pois a data marca um dos mais sombrios períodos históricos do Brasil. Celebrar tal golpismo é, no mínimo um desrespeito a memória daqueles/as que perseguidos/as pelos agentes do DOI-CODI. Mesmo assim, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5), em Recife (PE), que decidiu, no dia 17 de março deste ano, que proibir reverências ao golpe significaria “negar a discussão sobre qualquer perspectiva da história, o que seria um contrassenso em ambientes democráticos, visto que o Estado Democrático de Direito (artigo 1º, caput, Constituição da República) pressupõe o pluralismo de ideais e projetos”, alegando que tal medida representaria “impor somente um tipo de projeto para a sociedade brasileira, sem possibilitar a discussão das visões dos fatos do passado”. Os magistrados proferiram que a exaltação do golpe “não ofende os postulados do Estado Democrático de Direito nem os valores constitucionais da separação dos poderes ou da liberdade”.

Sobre o fato, Paulo Sérgio Pinheiro (ex-secretário de direitos humanos e membro da Comissão Nacional da Verdade) comenta, em artigo publicado pela Comissão Arns na manhã de hoje: “Não há versões alternativas a discutir sobre o golpe de 1964: é fato provado e documentado que, de 1964 a 1985, prevaleceu no Brasil um regime de exceção que torturou, executou, fez desaparecer milhares de pessoas — entre elas, estudantes, militantes políticos e sindicalistas. Todas as violações de direitos humanos, os crimes contra a humanidade praticados pela ditadura militar, além da bibliografia nacional e internacional, estão registrados fartamente em arquivos diplomáticos, por exemplo, dos Estados Unidos, da França, do Reino Unido”.

Diante das sucessivas intentas golpistas e do delírio ditatorial de Jair Bolsonaro, que ao lado d o General Braga Netto (atual Ministro da Defesa), que juntos enaltecem o golpe como tendo sido uma contra-revolução em defesa do Brasil, faz-se um dever moral gritar contra qualquer projeto autoritário em país que tanto sangue já derramou em ordem de estabelecer sua frágil democracia. Deve ser um compromisso ético fazer calar as cadelas do fascismo e os filhotes da ditadura, proclamando aos quatro ventos: “TORTURA NUNCA MAIS!”, “DITADURA NUNCA MAIS!” “FORA BOLSONARO!”

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