De Norte a Sul se ouve o uivo da cadela do fascismo – Quais os riscos que o ataque ao Capitólio dos EUA representa para o Brasil?

Texto: João Lucas Gama

A primeira semana do ano de 2021 chegou ao fim e de uma maneira bastante conturbada, vale ressaltar. No final da tarde da quarta-feira (6), o mundo assistiu estarrecido ao violento ataque ao prédio do Capitólio dos EUA, promovido por apoiadores de Donald Trump (e incentivados pelo próprio presidente estadunidense), numa tentativa sórdida de interromper a sessão que referendou os votos do presidente eleito Joe Biden. Além de um violento atentado fascista ao sistema democrático do país, o fato reforça uma sombra obscura 2022.

Jair Bolsonaro jamais escondeu a sua admiração política e pessoal, bem como sua subserviência a Donald Trump. Reinventando o fascismo à brasileira, o presidente costuma importar a cartilha do republicano e adicionar um tempero tropical milicianesco ao ultra conservadorismo da chamada Alt Right (Direita Alternativa, ou Alternativa à Direita em tradução livre).

Em meio aos fatos ocorridos durante a última semana e as falas do Bolsonaro em apoio à tentativa de autogolpe promovida pelo seu ídolo pessoal, analistas e jornalistas políticos, assim como movimentos sociais e partidos políticos já demonstram preocupação com os rumos que o capitão reformado e seus apoiadores podem dar às instituições democráticas em caso da eventual derrota eleitoral que já se desenha para 2022.

Entenda a ordem dos fatos

Joe Biden e sua vice, Kamala Harris, do Partido Democrata, venceram as eleições presidenciais no dia 3 de novembro de 2020 por 306 votos contra 232 (eram necessários 270 votos no colégio eleitoral). A vitória veio após uma conturbada corrida presidencial nos Estados Unidos, marcada por ataques pessoais do mais baixo nível e uma constante deslegitimação do sistema eleitoral do país – promovida amplamente pela campanha de Trump, que chegou a pedir que seus eleitores votassem duas vezes (pelo correio e presencialmente), o que qualifica fraude eleitoral.

Todos os 50 estados certificaram suas respectivas contagens e reconheceram a vitória do candidato democrata, no dia 14 de dezembro. Porém, Donald Trump, assumidamente um mal perdedor, recorreu judicialmente, solicitando recontagem dos votos em cinco estados.

Mais de meia centena de ações judiciais foram movidas por Trump e seu advogado, o republicano Rudy Giuliani (ex-prefeito de Nova York). Absolutamente nenhum juiz encontrou vestígios das irregularidades denunciadas, fazendo com que a maior parte do establishment republicano, liderados pelo senador Mitch McConnell, reconhecessem Biden como presidente eleito.

Somente o atual vice-presidente Mike Pence (líder do Tea Party, considerada a ala mais conservadora do Partido Republicano) ficou ao lado de Donald Trump, que a dois meses insiste nas denúncias de fraude eleitoral, sem apresentar provas sequer. O atual presidente então, passou a pressionar diretamente os líderes de seu partido nos estados tradicionalmente republicanos a realizarem uma recontagem de votos.

O caso ganhou requintes de ridículo, após o vazamento de uma chamada telefônica publicada no domingo (3), na qual ele se utilizava de seu poder político para pressionar (de maneira constrangedora) o secretário de Estado da Geórgia, o também republicano Brad Raffensperger, para “encontrar” 11.780 votos.

“O povo da Geórgia está com raiva, o povo do país está com raiva” dizia Trump rispidamente. “Não tem nada de errado em dizer, sabe, que você recontou” continuava em tom exaltado, ao que Raffensperger lhe respondeu: “Senhor presidente, seu desafio é que seus dados estão errados…”, “Você não pode deixar isso acontecer” interrompia Donald Trump, “você está deixando acontecer. Estou avisando que você está deixando acontecer. É só fazer isso: eu só quero encontrar 11.780 votos, que é um a mais do que nós temos, porque nós ganhamos o estado”, insistia.

Biden conquistou 2.473.633 votos, o que corresponde a 49,5% dos resultados obtidos no estado; enquanto Trump obteve 2.461.854 (49,3%). Uma diferença de 11.779 (onze mim, setecentos e sessenta e nove) votos separava os dois na Geórgia.

Desesperado com a rápida aproximação da sessão de Senadores e Congressistas que iria avaliar os resultados da eleição presidencial dos EUA (uma mera formalidade do Estado americano), Trump veio a público é durante um comício realizado naquele mesmo dia, pediu que seus apoiadores marchassem em direção ao prédio do Capitólio (que abriga o Senado e o Congresso do país) para interromper a sessão. Ele também constrangeu o vice-presidente (que pela legislação, também é presidente do Senado) ao dizer que não sabia se o mesmo teria a coragem para “fazer o que é necessário”.

No final da tarde da quarta-feira, milhares de apoiadores se concentravam em frente ao edifício, localizado na capital Washington D.C., gritando frases como “queremos Trump”, “mais quatro anos” e “parem a roubalheira”. Foi no final da tarde que os manifestantes invadiram o prédio, em uma ação violenta, que custou a vida de cinco pessoas, entre elas um policial que estava em serviço.

Por conta dos protestos, o Senado anunciou a suspensão da sessão. O prédio entrou em lockdown e os parlamentares foram evacuados. A prefeitura de Washington D.C. decretou um toque de recolher a partir das 18h local (20h de Brasília). Batalhões da Guarda Nacional também foram convocados para conter os manifestantes. Trump demorou a se pronunciar sobre a invasão e, quando o fez, não condenou o ato, mas pediu para que todos que estivessem no Capitólio permanecessem pacíficos.

Já no final da noite, a sessão foi retomada. Tanto o vice-presidente, quanto os parlamentares qualificaram a invasão como um “ataque à democracia”. Às 3h40 (5h40 em Brasília), o Senado e o Congresso Confirmaram a vitória do democrata Joe Biden, que assumirá o governo com maioria em ambas as casas do legislativo americano, pois no mesmo dia, o estado Geórgia finalizou a contabilização dos votos para o Senado, decretando a vitória do reverendo Raphael Warnock (primeiro senador negro do estado) e do documentarista Jon Ossoff (mais jovem representante eleito para a cadeira).

Mas onde o Brasil entra nessa história?

Esse tipo de atentado não é nenhuma novidade para o povo brasileiro. Desde o início de 2019, que a família e o governo Bolsonaro, com o apoio de seus aliados e defensores, vem ensaiando uma ruptura democrática no país. Esse processo, acabou por trazer à luz o que muitos já podiam identificar desde antes mesmo do Golpe Parlamentar de 2016: a fragilidade das instituições democráticas do Estado brasileiro.

Em publicação feita pela Revista Ópera, o jornalista político Pedro Marin aponta que “não há dúvidas de que Trump, como Bolsonaro, seja uma figura especialmente detestável, e que sua comunicação siga, como a de Bolsonaro, uma lógica de tensionamento contínuo, que, tanto lá como cá, pesando todas as diferenças, serve para mobilizar e dar sustentação a líderes e projetos com pouco apoio político-institucional”, escreve o jornalista. Esse cenário pode ser percebido facilmente diante da capacidade de mobilização que o bolsonarismo possui, ao negar a realidade factual, ressignificando-a ao ponto de promover imensas aglomerações, mesmo em meio à maior crise sanitária dos últimos 100 anos.

Para o jornalista e presidente do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, Altamiro Borges, a tentativa de golpe nos Estados Unidos serve de alerta sobre a necessidade de conter o avanço do fascismo em todo o mundo, especialmente no Brasil, onde a situação com o presidente Jair Bolsonaro pode chegar a níveis mais violentos do que ocorrido nos Estados Unidos. Pois, além dos grupos milicianos, Bolsonaro conta com apoio de setores das Forças Armadas e das polícias militares.

“O autoritarismo está em curso. Ele libera arma, tem uma relação com as polícias militares que passa por cima dos governos estaduais, a ponto de estimular motins, como aquele ocorrido no Ceará”, diz Altamiro Borges.

Porém o motim ao qual Altamiro se refere, que acabou por balear o senador Cid Gomes não se trata de um caso isolado. O presidente e seus apoiadores costumeiramente promovem manifestações pedindo pelo fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF), bem como a prisão de seus ministros. Ainda no ano passado, o edifício da suprema corte foi alvo de um atentado terrorista, quando indivíduos armados do grupo autointitulado “300 do Brasil”, chefiado por Sara Winter, ateou fogos de artifício contra o prédio.

Em paralelo a isso e somado às alegações de Bolsonaro, o Brasil vive uma profunda crise institucional que, apesar de aparentemente apaziguada, por muito pouco não culminou em uma total ruptura democrática durante o mês de julho do ano passado, quando o STF (em meio ao vazamento do vídeo da reunião ministerial e das sucessivas tentativas de Jair Bolsonaro em indicar Alexandre Ramagem para a Superintendência da Polícia Federal)  buscou meios de romper o sigilo presidencial e apreender o seu telefone celular. Esse quase golpe foi exposto pela reportagem da Monica Guggliano, publicada pela Revista Piauí, em agosto de 2020.

“Bolsonaro queria mandar tropas para o Supremo porque os magistrados, na sua opinião, estavam passando dos limites em suas decisões e achincalhando sua autoridade”, diz a reportagem. “Na sua cabeça, ao chegar no STF, os militares destituiriam os atuais onze ministros. Os substitutos, militares ou civis, seriam então nomeados por ele e ficariam no cargo ‘até que aquilo esteja em ordem’, segundo as palavras do presidente”, conclui Monica Guggliano.

De fato, o caminho para a ruptura democrática não é uma exclusividade de Jair Bolsonaro. Seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (o zero três), por diversas vezes fez alegações antidemocráticas; a mais conhecida, aconteceu durante o mesmo período em que a peleja com o STF estava em curso. Na ocasião, o deputado comentou, durante uma Live da rede de comunicação bolsonarista, Terça Livre (investigada na CPI das Fake News), que “não se trata de SE, mas sim de QUANDO haverá uma ruptura democrática”.

Em consonância com o discurso utilizado por Eduardo Bolsonaro, o jurista Ives Gandra da Silva Martins, publicou um artigo no site de notícias Consultor Jurídico. Intitulado “Cabe às Forças Armadas Moderar os Conflitos entre os Poderes”, o texto utilizava prerrogativas escusas contidas no artigo 142 da Constituição Federal de 1988 para justificar a ação das Forças Armadas “como poder moderador” com o objetivo de restabelecer “a lei e a ordem” entre os três poderes da República.

Além disso, a chamada Nota à Nação Brasileira, escrita pelo chefe do Gabinete de Segurança Institucional, o general Augusto Heleno, alegava que o pedido de apreensão era “inconcebível e, até certo ponto, inacreditável” e representava “uma afronta à autoridade máxima” do presidente. “O Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República alerta as autoridades constituídas que tal atitude é uma evidente tentativa de comprometer a harmonia entre os poderes e poderá ter consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional”, concluía a nota.

Em entrevista à revista Veja, publicada no dia 12 de Junho, o general Ramos, da Secretaria de Governo, disse ser “ultrajante” a ideia de que militares cogitavam a possibilidade de um golpe, mas que “o outro lado tem de entender também o seguinte: não estica a corda.”

O mundo se manifesta contra o ataque, mas Bolsonaro passa pano

Enquanto líderes políticos brasileiros e internacionais condenaram o ataque ao Capitólio, Jair Bolsonaro seguiu o caminho contrário, corroborando com a narrativa de Donald Trump (de que houve fraude eleitoral). “Eu acompanhei tudo hoje. Você sabe que sou ligado ao Trump. Houve muita denúncia de fraude” disse o presidente, acrescentando em seguida, “eu tenho indício de fraude na minha eleição [em 2018]. Era para ter ganho no 1º turno”, alegou igualmente sem apresentar nenhuma prova.

Mas a verdadeira natureza golpista de Jair Bolsonaro só veio à tona no dia seguinte, quando comentou com apoiadores que, “se tivermos voto eletrônico [em 2022], vai ser a mesma coisa” ou “vamos ter problema pior que nos Estados Unidos”.

E agora, José?

Enquanto nos Estados Unidos, há 10 dias da posse oficial de Joe Biden, o Congresso, o Senado e a própria equipe presidencial já estudam a possibilidade de Impeachment, ou afastamento do presidente Donald Trump; no Brasil, a população e principalmente as instituições democráticas continuam assistindo à montagem do palco de um novo Golpe de Estado, que dessa vez não virá pelas vias parlamentares (como em 2016), mas talvez venha novamente pela ala militar.

Alguns analistas políticos alegam que Bolsonaro não teria condições de aplicar um novo Golpe Militar, pois o alto comando das Forças Armadas não apoia um processo de tomada de poder do Estado; no entanto, ao rememorarmos o processo político que levou ao golpe de 1964, é possível identificar que os setores que promoveram a tomada de poder e implementaram uma ditadura no país que durou 25 anos, não compreendiam a maioria das Forças Armadas, mas sim uma pequena parcela do alto do exército que se radicalizou a tal ponto que acabaram por puxar para si os generais tidos como “mais moderados”.

Como bem coloca o filósofo e analista político brasileiro, Vladimir Safatle (USP), “é muito claro que nós temos um golpe militar em marcha, mas a maneira como ele vai se dar ainda é um imprevisto, inclusive para os próprios atores que estão dentro deste processo, mas é óbvio que não há outra saída, dentro de uma certa lógica, a não ser uma intervenção dentro do cenário brasileiro”.

A verdade, é que pela quantidade de militares que atualmente ocupam cargos na administração pública do Governo Federal, é inegável que o Brasil já vive um governo militar. Mas também é bem verdade que processos históricos não costumam se repetir da mesma maneira, de modo que o Golpe Militar que se anuncia desde o momento em que Aécio Neves desacreditou o resultado das eleições de 2014, não virá da mesma forma e na mesma caixinha que o recebemos em 1964. Não!

A formação de novos Estados ditatoriais que já começam a surgir no mundo, a exemplo da Bielorússia, ou da Turquia, compreendem um estado de anomia constitucional mascarado, em que o “respeito” à Constituição tem o papel único e exclusivo de criar uma aparência de legitimidade democrática, enquanto esconde as práticas de um Estado totalitário.

O que aconteceu nos últimos dias da administração Trump, já toma forma em nossa terra desde o momento em que Jair Bolsonaro iniciou sua campanha presidencial em 2018. É essencial para a democracia brasileira que o presidente seja destituído de seu posto o quanto antes, a fim de evitar que, em 2022, seja posto em prática o mesmo que ocorreu na primeira quarta-feira de 2021. Pois a cadela do fascismo está sempre no cio e deve ser abatida antes que suas crias cheguem ao mundo.

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