“Estupro culposo” não existe! Machismo sistêmico sim
A decisão judicial que inocentou o empresário André de Camargo Aranha, acusado de ter estuprado uma jovem promoter catarinense, de 19 anos na época, durante uma festa em 2018, tem causado a revolta pública de uma maior parcela da população que acompanhou o caso pela imprensa e redes sociais. Por outro lado, revela mais uma vez a complacência de um seguimento social que faz vistas grossas ou endossa ações e atitudes machistas em locais de trabalho, lazer, públicos ou privados, geralmente promovidas por homens contra mulheres.
O absurdo desse caso ocorrido em Santa Catarina foi a institucionalização da cultura do estupro no ordenamento jurídico, diante da conduta do juiz, Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis, do promotor de justiça, Thiago Carriço de Oliveira, além do advogado, Cláudio Gastão da Rosa Filho, que defendeu o estuprador. O juiz por sentenciar uma excrescência jurídica, não tipificada pelo Código Penal Civil (CPC), sustentada como justificativa pelo promotor, ao defender a falta de intenção do estuprador em cometer o ato e aceitar a postura do advogado que constrangeu sistematicamente a vítima do estupro durante o processo.
As denúncias de irregularidades na condução de um processo que sustenta uma tipificação criminal não observada no CPC, dando margem para algo como um “estupro culposo”, tão somente para garantir a inocência do estuprador, sendo ele homem, branco e de classe média alta, revela a postura machista e racista das instituições, influenciadas ideologicamente por esse seguimento social que relativiza o debate de opressões contra as minorias sociais.
O sistema político e jurídico da República é operado justamente por quem tem as melhores condições de acesso as estruturas de poder, seja por melhores condições financeiras, de preparo acadêmico ou na maioria absoluta das vezes esses dois motivos juntos. E assim, além de elementos históricos e ideológicos incluídos, é constituído um sistema político e jurídico com irrisória participação de mulheres, o que pavimenta a constituição de um sistema radicalmente machista.
Superar o sistema político exige também o fim do machismo
Apontar a necessidade de outro modelo de sistema político, o que implica em uma mudança radical na estrutura jurídica do Estado, passa por uma dura disputa na sociedade que envolve o projeto de Estado que se deseja. Um Estado que repare séculos de discriminação, distorções e silenciamento das mulheres, um Estado que disponha às novas gerações um modelo educacional e cultural que respeite as diferenças e os direitos às identidades. Um Estado com um Poder Judiciário atualizado nesse contexto, radicalmente democratizado e atuante na promoção da justiça pública.
É possível superar o machismo e suas variáveis, além das outras formas de opressão reproduzidas pelo sistema, mas reparação, educação e promoção de justiça são elementos indispensáveis para essa nova realidade.