Com falsa sensação de controle da pandemia, governo estadual expõe a classe trabalhadora a risco de vida
Texto: João Lucas Gama
Enquanto o Governo de Pernambuco avança com o chamado Plano de Convivência com a Covid-19 que, gradativamente, vem permitindo a retomada das atividades econômicas, a pandemia do novo Coronavírus continua atingindo os trabalhadores e as trabalhadoras. Na última segunda-feira (20), foram identificados 663 novas infecções e 52 novos óbitos; entre esses mortos, estavam 28 habitantes de municípios da Região Metropolitana do Recife, onde se alega que o contágio pela doença está controlado.
É preciso levar em consideração que, dessas 28 pessoas falecidas, apenas 2 eram residentes da capital pernambucana, outros 26 estavam espalhados pelos municípios de Abreu e Lima (2), Cabo de Santo Agostinho (2), Ipojuca (1), Jaboatão dos Guararapes (4), Olinda (12), Paulista (4) e São Lourenço da Mata (1).
Para entender esses números, é preciso levar em consideração o processo de migração sazonal que ocorre entre os trabalhadores e trabalhadoras dessas cidades. Uma grande parte da força de trabalho de Recife e Olinda são provenientes das zonas periféricas de habitação dos municípios em seu entorno. Tratam-se de homens e mulheres (em sua maioria) de famílias pobres que, devido aos processos de gentrificação aplicados nas cidades irmãs, foram jogados e jogadas cada vez mais para as periferias dos centros urbanos.
Porém novos casos não pararam de surgir. Nesta terça-feira (21), outros 366 novos casos foram identificados e mais 53 mortes. Do total de óbitos divulgado, 36 (68%) ocorreram entre os dias 12 de maio a 17 de julho. As outras 17 (32%) ocorreram nos últimos três dias, sendo oito mortes no último domingo e outras nove registradas na última segunda-feira, quando o governo estadual havia divulgado os dados já citados.
O longo espaçamento entre a divulgação de informações referentes aos novos casos e novas mortes em decorrência do vírus se devem, em resumo, à incapacidade logística do governo do estado em realizar uma quantidade massiva de testes na população. Os testes destinados à classe trabalhadora e as famílias residentes em periferias, favelas e ocupações tem se mostrado escassos e quase inexistentes. O mesmo pode ser dito para as testagens feitas no interior do estado, junto às famílias campesinas.
Pernambuco possui, atualmente, 75% das UTIs e 54% das enfermarias ocupadas. Entre os pacientes de Covid-19, há um número gritante de trabalhadores e trabalhadoras de serviços considerados essenciais, com um expressivo número profissionais da saúde. Segundo matéria do G1, “de cada quatro profissionais de saúde infectados com coronavírus em PE, um é técnico ou auxiliar de enfermagem”, profissão predominantemente ocupada por pessoas pretas e pardas. Ainda segundo a matéria, 4.267 trabalhadores e trabalhadoras desse setor haviam contraído a doença até o dia 8 de julho. Esse número correspondia, na época, a 25,9% do total de testes positivos de profissionais de saúde.
A fala da Quilombola e ativista da Via Campesina, Sealma Dealdina, durante a live “Racismo estrutural e a classe trabalhadora“, que integrou a programação do XVIII Congresso Nacional da Federação Única dos Petroleiros (CONFUP), explicita o recorte de classe, raça e gênero que prefeitos e governadores tem aplicado em relação ao combate à pandemia. “No determinado momento em que brancos estavam pegando [a doença] e brancos estavam morrendo, havia uma preocupação em controle, fechando comércio disso e mais daquilo; a partir do momento em que o vírus foi matando pretos, pobres, nas favelas e no campo, na água, ou na floresta, então agora nós já podemos abrir o comércio geral, todo mundo pode ir pra rua, pode andar sem máscara […] nós resolvemos o problema”, diz Dealdina, que completa: “o vírus pode até ser democrático (como dizem que é), mas o tratamento é extremamente excludente e racista!”.