Da manipulação de mercado à apropriação de carteiras de investimentos – A controversa trajetória de Claudio Costa na Petrobrás
Texto: João Lucas Gama
No dia em que acontece a confirmação do novo presidente da Petrobrás, o General Joaquim Silva e Luna (indicado por Jair Bolsonaro em 19 de fevereiro), os holofotes parecem gradativamente deixar de iluminar o caso do ex-gerente executivo de Recursos Humanos da estatal, Claudio Costa, que no último dia 29 de março teve a demissão anunciada pela companhia sem justa causa. No entanto, os sindicatos e a Federação Única dos Petroleiros (FUP) têm apontado que a ausência de justa causa não corresponde à realidade dos fatos, visto que os motivos do desligamento se devem a utilização de informações privilegiadas em benefício próprio.
Em comunicado emitido pela companhia ao mercado, a gestão Castello Branco informava que Claudio Costa deixava o alto escalão da estatal “por ter atuado, em episódio pontual, em desacordo com o disposto na Política de Divulgação de Ato ou Fato Relevante e de Negociação de Valores Mobiliários, que veda a negociação de valores mobiliários de emissão da Petrobras por Pessoas Vinculadas nos 15 dias que antecedem a divulgação das demonstrações financeiras da companhia”.
Entenda os fatos
Em 19 de fevereiro, o presidente Jair Bolsonaro anunciou a saída de Roberto Castello Branco da presidência da Petrobrás, após diversas críticas do movimento sindical e da sociedade civil à condução das políticas de preços e da gestão da companhia, que elevou em 30% o valor dos combustíveis em menos de dois meses. O incidente fez com as ações da empresa caíssem 16%, com as ações preferenciais no Brasil caindo mais de 20% em um dia.
A desvalorização das ações da Petrobrás mexeu com todo o mercado financeiro brasileiro, uma vez que estatal representa cerca de 10% da ponderação do Ibovespa, que naquele mesmo dia operou em forte queda de 4,5% e o dólar subiu mais de 2,5%, sendo negociado acima dos R$ 5,50 – o que também acabou impactando as famílias brasileiras, pois influenciou os preços dos combustíveis (devido à política de preços da Petrobrás que varia de acordo com a cotação do dólar) e, consequentemente, a inflação no país. Outras empresas brasileiras de economia mista também sentiram os efeitos. As ações do Banco do Brasil despencaram 10,3%; já as ações da Eletrobrás também caíram mais de 6% no mesmo dia.
Chama a atenção o fato de que, dias antes do anúncio da mudança no comando da estatal, Claudio Costa já tinha conhecimento do que estava por vir. Utilizando-se então de informações privilegiadas sobre a demissão do presidente Roberto Castello Branco, o agora ex-gerente executivo vendeu ações durante o “período de silêncio” da empresa antes da divulgação dos seus resultados, no final de fevereiro, para lucrar com tais operações financeiras de uma empresa estratégica para a economia nacional e cujo o acionista majoritário é o povo brasileiro.
Tal prática é comumente chamada de Insider Trading, quando há uso de informações privilegiadas para a negociação de valores mobiliários no mercado financeiro, baseada no conhecimento de informações relevantes que ainda não são de conhecimento público, com o objetivo de auferir lucro ou vantagem no mercado. Essa prática também é chamada pelo código penal brasileiro de “Manipulação de Mercado” e viola a Lei No 6.385/76, que dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e, em seu capítulo VII-B, Art. 27-D configura: “utilizar informação relevante de que tenha conhecimento, ainda não divulgada ao mercado, que seja capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiros, de valores mobiliários”. Tal violação pode gerar pena de um a cinco anos de cadeia, e multa de até três vezes o montante da vantagem ilícita que foi obtida em decorrência do crime.
O caso está sob investigação do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), mas a demissão por justa causa foi amplamente maquiada e os crimes do ex-gerente executivo foram abafados pela gestão de Roberto Castello Branco, “o que reforça as suspeitas das entidades sindicais, que vêm denunciando desde o ano passado irregularidades e interesses envolvendo Claudio Costa na criação da Associação Petrobras de Saúde”, comenta o coordenador geral da FUP, Deyvid Bacelar, em artigo de opinião “as relações entre Cláudio da Costa e Roberto Castello Branco na Petrobras”, publicado pela revista Carta Capital.
A sujeira vem de muito antes
Claudio Costa chegou ao cargo de Gerente Executivo trazido pelo próprio Roberto Castello Branco como sendo o seu “braço direito”. Desde então, teve seu nome envolvido em diversos escândalos, a começar pelo discurso que fez em 25 de fevereiro de 2019, durante uma reunião com os trabalhadores e trabalhadoras do edifício sede da companhia em São Paulo, o EDISP, sobre o fechamento daquela unidade. Na ocasião, a gestão tentava empurrar um Plano de Demissão Voluntária (PDV), onde ele escancarava as reduções de quadros, privatizações e desinvestimentos que estariam por vir, como mostra o vídeo abaixo.
No mês seguinte, durante a primeira campanha reivindicatória do ACT da gestão Castello Branco, “o ex-gerente de RH tentou minar o Acordo Coletivo de Trabalho, retirando dezenas de cláusulas e direitos históricos da categoria. Até em assembleia sindical ele tentou interferir convocando os trabalhadores e as gerências para votarem pela aprovação do ACT rebaixado. Ele mesmo tentou votar na assembleia do sindicato, em um vexame que entrou para a história da categoria”, relembra o artigo de Deyvid Bacelar. A ocasião foi registrada também foi registrada pela FUP e pode ser conferida no vídeo a seguir.
“Sua gestão foi marcada por conflitos com os trabalhadores, que envolveram assédio moral, práticas antissindicais, desrespeito à negociação coletiva e uma série de ataques aos direitos da categoria. Tudo articulado com o presidente da Petrobrás, em um pacote fechado para privatizar, demitir e retirar direitos dos trabalhadores, enquanto a alta gestão era beneficiada por aumentos escandalosos, bônus milionários e uma série de privilégios”, comenta a FUP em publicação feita em seu site.
Porém, entre todos os escândalos cometidos por Costa durante o período em que esteve à frente do RH da empresa, o mais notório talvez tenha sido a criação da Associação Petrobras de Saúde (APS), controlada por ele mesmo e vinculada a operadoras de planos de saúde, que passou a administrar, sem qualquer concorrência, a carteira de investimentos da Assistência Multidisciplinar de Saúde (AMS) oferecida pela companhia, avaliada em R$ 2,7 bilhões anuais.
O caso gerou extrema repercussão no movimento sindical petroleiro, que apontou as operações suspeitas lideradas por Costa (com fortes indícios do conhecimento de Roberto Castello Branco), envolvendo a troca da AMS pela APS. Baseada em diversos documentos, áudios e denúncias, a FUP protocolou uma representação civil e criminal com desdobramentos em um inquérito civil que atualmente tramita no Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ); também foi instaurado um processo no TCU, em dezembro do ano passado. Uma outra representação protocolada junto à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), demonstrou que a decisão do Conselho Administrativo referente à criação da APS estava fundamentada “em informações parciais, manipuladas por gestores e executivos da companhia, a fim de beneficiar terceiros”, como aponta publicação da FUP.
E agora José?
Em qualquer país capitalista do mundo, Claudio Costa seria preso, tendo em vista a ampla variedade de provas e indícios de seus crimes de manipulação de mercado e apropriação indevida de carteiras de investimentos; no entanto, há de se convir que o mercado financeiro brasileiro encontra maneiras inventivas de burlar a legislação, através de sucessivas práticas de Lawfare (que envolve a utilização do direito para satisfazer interesses políticos) em benefício da acumulação de capital.
Cabe ao movimento sindical petroleiro usar sua força e capacidade de organização para agir, a fim de garantir que as instituições jurídicas e órgãos fiscalizadores cumpram seu papel, punindo devidamente aqueles que expropriam o fruto de nosso trabalho e deliberadamente prejudicam a economia de todo um país em benefício próprio.