Reabertura das atividades econômicas em Pernambuco se dá de maneira precipitada
Texto: João Lucas Gama
O Lockdown nos municípios de Recife, Olinda, Jaboatão dos Guararapes, Camaragibe e São Lourenço da Mata chegou ao fim no dia 31 de maio. A medida foi implementada no dia 16 daquele mês e não conseguiu alcançar a meta de 70% de adesão da população às medidas de isolamento social. Apesar disso, foi registrada uma desaceleração no contágio do novo Coronavírus em Pernambuco, segundo a Secretaria de Saúde do Governo do Estado, bem como levantamentos feitos pelo Instituto para Redução de Riscos e Desastres de Pernambuco (IRRD), da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e pela Escola de Higiene e Medicina Tropical da Universidade de Londres.
“Nosso objetivo foi atingido com muito esforço de todos, sobretudo da grande maioria da população, que compreendeu a importância do isolamento social. Os números são importantes, mas não querem dizer que vencemos a guerra. Ainda temos um longo caminho pela frente. Precisamos manter o foco”, disse o governador Paulo Câmara, no dia em que o Lockdown foi encerrado. Porém, no dia seguinte, o mesmo anunciou o chamado “Plano de Convivência com a Covid-19” que prevê a retomada das atividades econômicas em Pernambuco, que será implementado ao longo de cinco fases e 11 etapas. Na sexta-feira (5), foi anunciada a antecipação do cronograma e mudanças nas regras de funcionamento para parte dos 32 setores que voltarão a operar.
As alterações foram anunciadas após reuniões específicas entre membros do comitê estadual e representantes dos setores; entre eles shoppings, centros comerciais e construção civil – que inicialmente retornaria com 50% do efetivo de trabalhadores em horário limitado das 9h às 18h, mas agora não terá mais essa restrição. “As entidades da construção civil conseguiram demonstrar que apenas 30% dos seus funcionários usam o transporte público e, dessa forma, não impactariam tanto no sistema”, disse o secretário de Desenvolvimento Econômico do Estado, Bruno Schwambach.
No último domingo (7), o governador Paulo Câmara anunciou que o Sistema de Saúde do Estado conseguiu zerar a fila de pacientes aguardando por leitos nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI), porém, segundo dados disponibilizados pelo Portal de Transparência de Pernambuco, a Sistema de Saúde registra atualmente ocupação de 96% das vagas nos leitos de UTI e 62% das vagas nas enfermarias. Veja o gráfico na imagem abaixo:
Em entrevista ao portal Leia Já, a infectologista Dr. Marcela Vieira, apontou que ainda era muito cedo para que o Governo do Estado implementasse tais medidas. “A minha avaliação é que, no momento, [a reabertura] está sendo precipitada. Eu acho que precisaria de um tempo maior de avaliação da permanência desse decréscimo que tem acontecido em relação ao número de casos”. Para ela, a aparente estabilidade não assegura que este seja o momento adequado para a retomada. “A gente está vivenciando a desaceleração do número de casos, mas ainda temos cerca de 800 novos casos por dia. Então, no contexto de reabertura, isso pode representar um novo processo de rebote no número de casos”, diz a médica.
Sérgio Correia, representante da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA) da Companhia Pernambucana de Gás (Copergás), compartilha do posicionamento da infectologista. “É claro que a retomada das atividades é precoce. A flexibilização e afrouxamento prematuro das restrições de circulação e distanciamento social, necessárias para diminuir o processo de transmissão, pode ter consequências indesejáveis que prolonguem o retorna à normalidade esperada e tenham um impacto maior que o previsto”, afirma o cipeiro. Ele explica que desde o dia 20 de março, a Copergás suspendeu o atendimento aos clientes em sua sede e, só alguns dias depois passou a distribuir os equipamentos de proteção individuais (EPI) necessários. Os trabalhadores que compõem o grupo de risco estão atualmente em caráter de home office, respeitando o isolamento social. Com o Plano de Convivência com a Covid-19, a companhia (sendo uma empresa pública controlada pelo Governo do Estado) deve retomar as atividades na fase 3.2 (ainda sem data prevista). Sérgio alerta que “precisamos manter ao máximo o distanciamento social e isso só será possível se os trabalhadores que puderem trabalhar em casa permanecerem em home office. Essa retomada precoce pode arriscar a vida tanto dos colaboradores, quanto dos seus familiares”.
Segundo o boletim epidemiológico da segunda-feira (8), Pernambuco registrou 463 novos casos e 45 óbitos em decorrência do novo Coronavírus. Foram identificados 99 casos greves, com sintomas da Síndrome Respiratória Aguda Grave (Srag), além de 364 casos leves. Até o momento, o estado já registrou 40.705 pessoas infectadas e 3.350 mortes.
No último domingo (7), o IRRD lançou uma ferramenta que calcula o risco do coronavírus no Brasil e nos estados. A área verde significa que há possibilidade para reabertura. A amarela, aponta uma tendência ao estrangulamento do sistema de saúde e, a vermelha, forte possibilidade de colapso. O gráfico do Brasil é vermelho, já o de Pernambuco está caminhando para o amarelo, mas ainda está no vermelho. Veja o gráfico na imagem abaixo:
As medidas do Governo do Estado passaram a valer apenas um dia depois que o Governo Federal ordenou que o Ministério da Saúde retirasse os dados sobre o Coronavírus do seu site, dificultando ainda mais o acesso à dados gerais sobre a doença e modificando a metodologia de divulgação para maquiar os reais dados.
O cenário que o país enfrenta atualmente é, de longe, um dos mais preocupantes no mundo e o atual governo se mostra extremamente ineficiente no combate à pandemia. Pernambuco não é o único estado do país que tem implementado medidas de flexibilização do isolamento social e reabertura da economia. Os governos de São Paulo, Santa Catarina, Minas Gerais, Amazonas, Maranhão, Ceará e Distrito Federal, bem como a prefeitura do Rio de Janeiro já estão pondo em prática seus respectivos planos de retomada das atividades. Outros países também tem flexibilizado o isolamento social e tentado caminhar em direção à normalidade, é o caso de países como Espanha, França e Itália. Porém, o sanitarista João Pedro Sobral, especialista em Saúde Coletiva pela FIOCRUZ-PE, alerta que há uma diferença crucial entre esses países e o Brasil. “A grande maioria dos países começou a retomar suas atividades econômicas quando o número de novos casos estava em tendência sustentada de queda, enquanto que, no Brasil, prefeitos e governadores estão tomando esta decisão quando chegamos numa tendência de estabilização da curva em seu pico, que não sabemos qual será sua duração, o que é um grande risco, pois não sabemos o efeito que isso terá para o surgimento de novos casos e aumento de óbitos daqui 15 ou 30 dias, por exemplo”.
Novamente os trabalhadores se veem colocados entre a cruz e a espada, tendo suas vidas postas em risco pelos planos de “convivência” com algo com o qual não se pode conviver.