Entre a solidariedade e a denúncia social, Sindipetro distribui botijões de gás
Texto e fotos: João Lucas Gama
A fila de moradores e moradoras da Comunidade do Papelão (no bairro de São José, Centro do Recife) chamava a atenção de quem passava pela via que dá acesso ao local quando, as 11h30 da manhã desta segunda-feira (1), o Sindipetro PEPB, em parceria do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e do projeto Mãos Solidárias realizaram uma doação de 50 botijões de gás para as famílias em maior estado de vulnerabilidade social da região. A ação, para além de um gesto de solidariedade e responsabilidade social, era também um alerta para as consequências da política de preços da Petrobrás.
Zenilda Martins de Moraes (59) é empregada doméstica desempregada. Ela conta que está sem trabalhar desde o mês de março de 2020 e que perdeu o emprego por conta da pandemia da Covid-19. Ela é apenas uma entre as 12 milhões pessoas que integram a força de trabalho desocupada atualmente no Brasil.
“Se não fosse essa ação hoje, eu não sei se conseguiria comprar o gás esse mês”, revela, “as coisas estão muito difíceis, até para arrumar emprego… Eu acho que se não fosse essa doação, a gente iria ter que cozinhar em fogo de lenha”. Ela conta que não seria a primeira vez que isso acontece. De fato o relato de Dona Zenilda não se trata de um caso isolado. Desde 2018, aproximadamente 14 milhões já usavam lenha, ou carvão para preparar os alimentos, segundo dados do IBGE. Este número correspondia a 20%, ou 1/5 das famílias. Com o crescimento da inflação, do desemprego e da informalidade profissional, este número tende a crescer.
“Inicialmente pela manhã, denunciamos (junto aos caminhoneiros) os sucessivos aumentos do preço do Diesel, e o gás de cozinha não é diferente”, comenta Diego Liberalino, diretor adjunto de Comunicação do Sindipetro PEPB. “O produto vem sofrendo vários aumentos e impactando diretamente no orçamento das famílias, sobretudo aquelas mais pobres que, durante a pandemia, tiveram sua renda reduzida ou até não tiveram renda nenhuma e, com o fim do Auxílio Emergencial, isso se torna uma problemática maior ainda”, continua.
A fala do sindicalista vem fortemente apoiada em dados materiais de um cenário preocupante. No início de dezembro, a Petrobrás anunciou o aumento de 5% no valor do botijão de 13kg e, apenas alguns dias depois (em janeiro deste ano), o produto sofreu um novo aumento, dessa vez no valor 6%. Somente em 2020, o produto teve uma alta de 21,9% nas refinarias, devido à política de Paridade de Preços Internacionais (PPI) empreendida pela Petrobrás desde a gestão de Pedro Parente (durante o governo do então presidente Michel Temer).
Ainda em 2020, o preço do gás de cozinha subiu 8,3%. A alta do botijão é quase o dobro da inflação daquele ano (que corresponde a 4,23%). Na última semana do ano passado o preço do botijão de 13 Kg oscilava entre R$ 59 e R$ 105,00, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biodiesel (ANP). O preço médio da revenda do botijão, ainda segundo a ANP, saiu de R$ 69,00 (em março passado), para R$ 75,00 em novembro. Até 2015, o botijão de 13 kg era revendido a R$ 47,43.
Entre os anos de 2007 e 2014 o preço do produto permaneceu congelado, graças aos subsídios do estado que visavam minimizar o impacto econômico para as famílias brasileiras. A partir de 2017, o GLP passou a ter reajustes mensais e, após reação negativa à medida, passou a ter ajustes trimestrais.
“Esse gás de cozinha vai ser uma ajuda para as famílias que vão poder levar dignidade para suas casas; mas por trás disso está a denúncia do Sindicato dos Petroleiros, pois isso envolve o absurdo desse aumento sucessivo nesse item essencial para a população brasileira”, afirma Diego.
Dona Zenilda, que vem sofrendo na pele o impacto ao qual o petroleiro se refere, diz que a ação “foi boa demais porque ajudou muitas pessoas, principalmente eu, que não tenho renda nenhuma; meu marido é quem faz um gancho e tira um trocadinho para pôr as coisas dentro de casa; mas a não ser isso, não tenho ajuda de ninguém além de vocês que chegam aqui na Comunidade”.
O Coordenador Estadual do MST em Pernambuco, Paulo Mansan, explica que “boa parte desse trabalho se inicia durante a pandemia, quando vimos a necessidade das comunidades terem orientações de saúde [sobre a covid-19]”, a iniciativa partiu da união entre com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), com a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e movimentos sociais. Dessa parceria, surgiu um programa de formação de 1.000 agentes populares de saúde, através de um curso de 20h oferecido às comunidades mais vulneráveis do Recife.
“Aqui temos quatro ou cinco agentes que estão prestando suporte e que acompanham esses agentes populares (que são pessoas das próprias comunidades)”, diz Paulo Mansan, “durante o fim de semana, esses agentes vieram aqui e fizeram o levantamento de quais as famílias que mais precisavam dessa doação, ou seja, as famílias que estavam sem gás e cozinhando com álcool, ou lenha e, pode ter certeza, que esses trinta (dos 50 botijões) realmente vão chegar às famílias mais necessitadas aqui da Comunidade do Papelão”.
O restante dos botijões foram destinados ao projeto Marmitas Solidárias que, desde o início da pandemia, tem distribuído alimentos saudáveis para as pessoas em situação de rua do centro do Recife. “Nesses momentos em que o povo e a classe trabalhadora mais precisa, um tem que ajudar o outro; para além de ajudar, também denunciar o que vem sendo feito com o preço do gás; nós temos a Petrobrás (que é nossa e que é pública), seria o momento da empresa reduzir os valores e não ficar à mercê do mercado internacional”, conclui Mansan.
Para quem foi beneficiado pela ação, a sensação é de profundo alívio. “Eu estou me sentindo muito alegre, até com vontade de chorar, porque vocês estão ajudando muita a comunidade aqui, é algo que estamos precisando”, diz Dona Zenilda emocionada, com a certeza de que, durante algumas semanas, terá o mínimo de dignidade que o Estado brasileiro historicamente lhe negou.