Em manobra desonesta, direção da Petrobrás burla normas jurídicas para facilitar entrega do patrimônio nacional

Texto: João Lucas Gama

Presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, em coletiva de imprensa no Rio de Janeiro 08/05/2019 REUTERS/Sergio Moraes

No fim do mês de junho, a Petrobrás anunciou a criação das subsidiárias Nordeste e Sul das quais pretende vender 60% das ações. A Subsidiária do Nordeste reúne as refinarias Abreu e Lima (RNEST), em Pernambuco e Landulpho Alves (RLAM), na Bahia, além de dois terminais aquaviários (Suape e Madre de Deus), três terminais terrestres (Candeias, Itabuna e Jequié), dois dutos de suprimento de petróleo, um poliduto e 35 dutos de derivados interligando as refinarias às bases e terminais de distribuição. Já a Subsidiária do Sul compreende as refinarias Alberto Pasqualini (Refap), no Rio Grande do Sul, e Presidente Getúlio Vargas (Repar), no Paraná, bem como quatro terminais aquaviários (Paranaguá, São Francisco do Sul, Tramandaí, Niterói), três terrestres (Guaramirim, Itajaí e Biguaçu), dois dutos de suprimento de petróleo, dois polidutos e quatro dutos de derivados. Com essa manobra, a direção da estatal se aproveita de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que determina que a venda de empresas subsidiárias não carece de aprovação prévia do Legislativo.

“Essas novas empresas serão criadas artificialmente com o exclusivo propósito de propiciar a posterior venda direta ao mercado”, afirmou o presidente do Senado Federal, Davi Alcolumbre (DEM-AP) que, ao lado do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), protocolou um pedido de liminar no STF, relatando a manobra adotada pelo governo Jair Bolsonaro e citando a iminência da retomada da alienação de ativos da RLAM e da Repar. “A prática, se for levada a efeito de maneira gradual e contínua, abrirá caminho para que meros atos do Conselho de Administração da Companhia, do qual participam, por óbvio, representantes do Poder Executivo, e não do Legislativo, permitam o desmembramento da ’empresa-mãe’ em várias subsidiárias para, a seguir, alienar o controle de cada uma delas”, disse o senador.

O pedido de liminar foi enviado ao ministro Ricardo Lewandowski, relator da ação sobre a privatização de estatais. No entanto, devido ao recesso do Judiciário, a análise da liminar será feita pelo presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, que atua no plantão da Corte.

Após protocolado o pedido de liminar, os ministérios da Economia e de Minas e Energia (chefiados por Paulo Guedes e Bento Albuquerque, respectivamente) saíram em defesa daquilo que chamaram de “estratégia de venda dos braços da estatal”. Em nota conjunta, as duas pastas afirmaram que o processo de venda de refinarias está de acordo com o posicionamento estratégico da Petrobrás, definido em 2016. Na ocasião, a empresa divulgou seu plano de negócios para o período entre 2017 e 2021, onde anunciou que iria focar sua atuação nas áreas de exploração e produção de petróleo.

Segundo os ministérios, a decisão do STF no ano passado dá aval às operações. “Dessa forma, os ministérios da Economia (ME) e de Minas e Energia (MME) reforçam a necessidade de se fazer cumprir a decisão prévia do STF e apoiam o processo de transição do segmento de refino para um quadro de maior pluralidade de agentes, mais aberto e dinâmico”, diz um trecho da nota que, no entanto, não cita a oposição dos presidentes do Senado e da Câmara.

Entenda a decisão do STF

No dia 6 de junho de 2019, o STF julgou favorável à privatização da Transportadora Associada de Gás (TAG), empresa subsidiária do Sistema Petrobrás. A decisão dos ministros contrariava a Lei nº 9.491/1997, também conhecida como “Lei da Privatização” (promulgada ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso) e parte do então Programa Nacional de Desestatização (PND).

A lei em questão determinava que nenhuma empresa estatal pode ser privatizada sem antes passar pela aprovação do Congresso Nacional. A decisão tomada naquele dia 6 de junho e assinada pelo Ministro Edson Fachin passava por cima dessa determinação. Em suas defesas, os membros do Judiciário declararam a não obrigatoriedade do aval do Legislativo para a venda de empresas estatais subsidiárias e controladas, partindo do entendimento que, apenas as chamadas ‘empresas-mães’ necessitavam de tal aprovação. A medida também derrubou a liminar do Ministro Ricardo Lewandowski, concedida exatamente um ano antes e que impedia governos federal, estaduais e municipais de vender o controle acionário de estatais e subsidiárias que obtivessem lucros superiores a R$ 90.000.000,00 (noventa milhões de reais) sem a autorização do Legislativo e licitação prévia.

Uma semana após a medida do STF, a venda da TAG foi concluída, no dia 13 do mesmo mês. Com isso, 90% de uma empresa pública especializada no transporte de gás natural passou para as mãos do grupo franco-belga Engie e para o fundo canadense Caisse de Depôt et Placement du Québec (CDPQ) por uma quantia de 8,6 bilhões de dólares (o equivalente a R$ 33,5 bilhões de reais). Essa movimentação privatizou aproximadamente 4,5 mil km de gasodutos que ligavam as regiões Norte e Nordeste.

Baseada na mesma lógica da privatização da TAG, a BR Distribuidora (maior empresa do país no ramo, com cerca de 30% do mercado de combustíveis e lubrificantes, quase oito mil postos e atuante em 99 aeroportos), foi privatizada, no dia 23 de julho do mesmo ano, quando a Petrobrás (acionista majoritária da empresa) vendeu 30% das ações, reduzindo sua participação de 71% para 41%. Atualmente, a direção da estatal tem estudado vender o que resta de sua participação de sua antiga subsidiária.

Venda de ativos, ou a crônica do entreguismo anunciado

O processo de privatização e venda de unidades e bases operacionais não é surpresa para ninguém. Desde abril de 2019, a gestão de Roberto Castello Branco anunciou que a Petrobrás iria vender oito refinarias do seu sistema, o equivalente a quase 50% da capacidade de refino do país. Entre elas, estão as refinarias Abreu e Lima (RNEST- PE), Landulpho Alves (RLAM – BA), Alberto Pasqualini (Refap – RS) e Presidente Getúlio Vargas (Repar – PR), que integram parte as subsidiária Nordeste e Sul. Além destas quatro, também foram postas na prateleira a Unidade de Industrialização do Xisto (SIX-PR) e as refinarias Gabriel Passos (Regap – MG), Isaac Sabbá (Reman-AM) e a Lubrificantes e Derivados do Nordeste (Lubnor – CE).

Mas a onda de privatizações não para por aí. Aproveitando a pandemia da Covid-19, a empresa anunciou a venda de quatro campos terrestres, localizados na Bacia de Tucano e de parte do campo de Manati, situado na Bacia de Camamu (ambos no estado da Bahia); também foram postas à venda as suas ações nos sete campos de produção terrestre e três campos de águas rasas do Polo Pescada, na Bacia do Potiguar (RN); além da totalidade do que detinha dos sete campos terrestres do Polo Urucu, na Bacia de Solimões (AM).

Soma-se a essa estratégia privatista o início do processo de venda integral da Petrobras Biocombustível S.A. (PBIO), incluindo três usinas de biodiesel, e os 10% restantes da Nova Transportadora do Sudeste (NTS). Também entram nessa conta os 51% do restante das ações da Petrobras Gás S.A. (Gaspetro).

Em publicação feita pelo Sindipetro Unificado SP, o coordenador da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Deyvid Bacelar, criticou o encolhimento da estatal. “Temos certeza de que a população brasileira não quer ver uma Petrobrás pequena, refém do mercado internacional, o que fará com que nós, consumidores, paguemos mais pelos derivados que deveriam ser vendidos a preços justos. Por isso, é fundamental que a população se junte a nós para que possamos defender essa empresa que é patrimônio do povo brasileiro e assim, defendermos preços justos para os derivados de petróleo”, comenta.

“É vergonhoso o que a gestão atual da empresa vem tentando fazer com a população e a soberania do país, quando tenta enganar o Congresso, burlando uma decisão do STF que proíbe a venda da Petrobrás sem passar pela avaliação do próprio Congresso”, diz o coordenador do Sindipetro PE/PB, Rogério Almeida. Ele concorda que a privatização destas unidades e equipamentos irá trazer sérios impactos ao preço dos combustíveis. “A venda dessas unidades operacionais [refinarias, terminais, dutos e polidutos] (tanto no Nordeste, quanto na Região Sul) vai deixar o povo refém dos preços internacionais do mercado de petróleo; o povo brasileiro não vai mais ter acesso a um preço justo, que já poderíamos ter, sendo a empresa uma estatal brasileira”. Rogério chama a atenção para o alto custo que as privatizações podem acarretar: “ Se a Petrobrás precisar mandar combustíveis para essas regiões, ela terá que pagar para utilizar os equipamentos e terminais que já eram dela”.

Mas o preço que o país pode chegar a pagar com a entrega desse patrimônio vai mais além do que isso. É o que mostra um estudo divulgado pela BrasilCom – associação, que reúne 43 distribuidoras regionais de combustível. Segundo a pesquisa, a venda das refinarias pode acarretar em risco de desabastecimento no caso do novo operador decidir exportar seus produtos. A ideia defendida pela lógica neoliberal, de que a competitividade fará bem ao mercado, se mostra irreal, visto que há um risco de redução da competitividade na etapa da distribuição, caso o novo operador seja uma empresa verticalizada para a distribuição e falta de definição de regras de transição que garantam a competitividade até a finalização da venda das refinarias

“Além disso”, diz Rogério Almeida, “esse processo também vai gerar uma onda de desemprego nas regiões, pois a Petrobrás cumpre um papel social em todas as regiões em que ela se encontra. Demissões em massa estão por vir. O descuido não será só em relação ao emprego e ao desenvolvimento social, mas também com o meio ambiente. É um risco tremendo que as regiões Nordeste e Sul estão por enfrentar”, conclui.

O que restará da Petrobrás?

O é Paradoxo do Navio de Teseu uma antiga reflexão da Filosofia Grega. Conta-se que quando o herói Teseu foi para a ilha de Creta para enfrentar o monstro Minotauro e acabar com a subserviência do povo ateniense ao Rei Minos, o navio em que o semi-deus viajava sofreu tantos reparos que quando voltou à Atenas, já não possuía mais nenhuma peça original. Desse modo, as pessoas questionavam: “será que esse barco tão modificado é mesmo o Navio de Teseu?”. Certo dia, o filosofo grego, Plutarco, indagou aos seus discípulos: “Se reuníssemos todas as peças originais da embarcação e a remontássemos, tal qual ela era quando deixo o porto, ela se tornaria o Navio de Teseu, ou seria um barco diferente?”.

A pergunta, em seu contexto original, propunha uma reflexão sobre a mudança dos corpos, do mundo e da própria noção do ‘ser’ como algo em transformação. Mas aqui, há que se pedir licença (e até desculpas) a Plutarco para interpretar o seu paradoxo de maneira literal.

Caso Paulo Guedes & Cia. consigam mesmo privatizar tudo o que puderem da Petrobrás; no fim das contas, o que restar dessa empresa será a mesma empresa, ou será uma empresa totalmente diferente? E quando finalmente destruirmos o ovo da serpente do bolsonarismo e, após um longo trabalho de reconquista de tudo que nos foi tomado, reconstruirmos essa empresa; ela voltará a ser a mesma empresa de antes?

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