PRECISAMOS FALAR SOBRE SUICÍDIO NO TRABALHO

Texto: João Lucas Gama

Na última semana uma notícia chocou a categoria petroleira em todo o país: um trabalhador da RLAM (que por razões éticas não será identificado) cometeu suicídio em seu ambiente de trabalho. Por coincidência, o fato aconteceu em pleno mês de setembro, mês internacional de prevenção e combate ao suicídio. Esse fato chamou a atenção de trabalhadores e lideranças sindicais para a importância da saúde mental e quadros depressivos agravados pelo ambiente laboral.

A Federação Única dos Petroleiros (FUP) e o Sindipetro Bahia tem acompanhado as investigações sobre o ocorrido e, por meio do diálogo com a gerência da refinaria, garantiram à família da vítima o acompanhamento de uma equipe multidisciplinar (composta por profissionais de medicina, psicologia e assistência social). A assessoria jurídica do Sindipetro Bahia também ficou à disposição dos familiares.

“A FUP ressaltou que a Petrobrás não pode tratar esses fatos como tabu e que já passou a hora da empresa discutir com os trabalhadores uma política de saúde mental. A entidade cobrou uma reunião específica para discutir esse ponto, ressaltando que o Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) prevê ações nesse sentido”, informa a federação em seu site. Na mesma publicação, a FUP chama atenção para Cláusula 79, Parágrafo 3º do ACT, onde a estatal se compromete a “estruturar Programa de Saúde Mental com foco em ações individuais, coletivas e no ambiente de trabalho como ação de saúde integral para a melhoria das condições de saúde dos empregados, em atendimento aos requisitos legais”. O texto também determina que o programa em questão seja “discutido nas Comissões de SMS nacional e local”

Porém, mais do que cobrar medidas de proteção e atendimento psicológicos aos trabalhadores, há também que se pensar a respeito das condições de estresse e pressão psicológica que estes estão submetidos no ambiente de trabalho. Segundo o psiquiatra e psicanalista francês, Christophe Dejours, diretor do Laboratório de Psicologia do Trabalho e da Ação no Conservatório Nacional de Artes e Ofícios, em Paris, a prática do suicídio no ambiente de trabalho é um fenômeno recente, mas que tem crescido, tornando-se frequente em todos os países ocidentais. “O fato das pessoas irem suicidar-se no local de trabalho tem obviamente um significado. É uma mensagem extremamente brutal, a pior que se possa imaginar – mas não é uma chantagem, porque essas pessoas não ganham nada com o seu suicídio. É dirigida à comunidade de trabalho, aos colegas, ao chefe, aos subalternos, à empresa. Toda a questão reside em descodificar essa mensagem”, explica Dejours.

O psicanalista aponta que este fenômeno não está relacionado necessariamente a uma categoria, ou setor específico de trabalho, essa prática pode estar presente em todas as categorias; dos serviços industrias, aos burocráticos; do chão fábrica, até os cargos de chefia; seja no campo, ou na cidade. Porém, na opinião de Dejours, algumas a mudanças nas relações e organização do trabalho, são agravantes para o surgimento de quadros depressivos que podem levar ao suicídio no ambiente laboral; são eles: a introdução de novos métodos de avaliação do trabalho, em particular a avaliação individual do desempenho; a introdução de técnicas ligadas à chamada “qualidade total”; e a terceirização do trabalho, que precarizou suas relações.

“A avaliação individual”, diz o psicanalista, “é uma técnica extremamente poderosa que modificou totalmente o mundo do trabalho, porque pôs em concorrência os serviços, as empresas, as sucursais e também os indivíduos; se estiver associada quer a prêmios ou promoções, quer a ameaças em relação à manutenção do emprego, isso gera o medo. E como as pessoas estão agora a competir entre elas, o êxito dos colegas constitui uma ameaça, altera profundamente as relações no trabalho”.

A partir disso, pode-se estabelecer um paralelo entre a fala de Christophe Dejours, o processo de privatização e sucateamento do Sistema Petrobrás e a tragédia ocorrida na RLAM. Com o futuro incerto das refinarias do Sistema Petrobrás e da manutenção dos postos de trabalho e da estabilidade – não só financeira, como também familiar e pessoal – colocadas em cheque, petroleiros e petroleiras se veem em a situações de profundo estresse físico e psicológico, agravados pelos casos de assédio (já tão comuns nos espaços da empresa).

Em seu artigo Da Relação Entre Trabalho e Saúde à Relação Entre Trabalho e Saúde Mental, publicado na 19ª edição da revista Psicologia e Sociedade, a psicóloga e doutora em Sociologia, Dra. Izabel Cristina Ferrari Borsoi, destaca a dimensão que o trabalho tem na vida e na mente humana. “É preciso, a meu ver, considerar alguns aspectos”, diz Borsoi, “Os indivíduos nascem num contexto no qual o trabalho é a base da sobrevivência do próprio grupo ao qual pertence (…), quando um indivíduo entra no mundo do trabalho, começa a organizar sua vida em função das exigências desse novo lugar, e é lá que deixa a maior parte de suas melhores horas do dia – durante a maior parte de sua vida, daí em diante… quando o trabalho começa a fazer parte efetiva da vida das pessoas, ele se torna tão significativo (ou quase) quanto as relações amorosas que elas constroem e tão necessário quanto o sono”. Tendo isso em vista, torna-se preocupante para qualquer um, ou qualquer uma, lidar com o medo frequente de se ver destituído do exercício de suas funções profissionais, sobretudo quando estas são constituintes do SER (enquanto indivíduo, ou sua forma de existir) no mundo.

Porém, nem sempre é possível ao trabalhador, que se define enquanto indivíduo através do próprio trabalho, identificar seu sofrimento como sendo de natureza psicológica. Ainda segundo a Borsoi, há um aspecto importante que dificulta a identificação de elementos que baseiem a relação entre labor e sofrimento psíquico. De acordo a psicóloga, “nas organizações, não é muito comum o diagnóstico de casos graves ou claramente delineados como doença mental, ou transtorno mental. Isto porque, se o sofrimento ocorre, antes de ele tornar-se um problema para a organização, o trabalhador tende, de algum modo, a se afastar de sua atividade, ou dela é afastado, com diagnósticos que geralmente não refletem o que de fato sofre”. Ela cita como exemplo a prática do chamado desembarque branco, praticado pelos petroleiros embarcados em navios e/ou plataformas. “Quando não suportam mais o trabalho confinado, e antes que percam o equilíbrio necessário para se manterem embarcados, buscam justificativas para desembarcar, continuando a trabalhar como petroleiros em terra”, comenta.

Para Christophe Dejours, “não somos capazes de esclarecer todos os suicídios no trabalho. Mas há casos em que é indiscutível que o que está em causa é o trabalho. Quando as pessoas se matam no local de trabalho, não há dúvida de que o trabalho está em causa”, a exemplo disso, está o caso ocorrido entre os anos de 2006 e 2007, quando cinco suicídios consecutivos foram praticados por engenheiros e cientistas altamente qualificados que trabalhavam na concepção dos veículos, num centro de pesquisas da Renault, na cidade de Guyancourt, nos arredores de Paris.

Serviço

A fim de prevenir outras tragédias como a da Refinaria Landulpho Alves, o Sindipetro PE/PB se dispõe a ouvir os trabalhadores e trabalhadoras de suas bases a fim de melhor atender às suas necessidades e construir uma campanha de prevenção ao suicídio e valorização da vida. Você também pode fazer parte dessa construção, enviando sugestões ao seu diretor de base, ou mesmo enviando um email com o título Sugestão para denuncia@sindipetropepb.org.br .

Destacamos também que a entidade não tolera qualquer tipo de prática assediadora. Possuímos um canal de denúncias seguro e sigiloso. Se você tem sofrido perseguição, ou assédio, envie sua queixa para denuncia@sindipetropepb.org.br. Caso você venha sentindo que precisa de um ajuda ou apoio psicológico, mas não sabe como recorrer a um acompanhamento profissional, procure o seu sindicato e nós encontraremos uma forma de lhe ajudar. Se você vem tendo pensamentos e desejos suicidas, a Central de Valorização da Vida (CVV), oferece um serviço de escuta 24h, através do número 188; você será atendido por um(a) voluntário(a), com respeito e anonimato, garantindo estrito sigilo sobre tudo que for dito e de forma gratuita. Falar é o melhor remédio e nós estamos aqui ao seu lado!

Ressarcimento de IR no HRA e do abono do PCR

Pagamento das horas extras / Feriado

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